SeuNome Stroome

Não quero ninguém a não ser você. Ainda não entendeu isso?
O dia poderia ser bom e bonito.
Eu havia acordado no horário.
Sem atrasos, sem estresse, sem nervosismo, sem desespero.
Cedo.
Cinco minutos e eu estava de pé.
Meu lençol não me atrapalhou. Meus dedos ficaram bem longe da mobília. Meu banho havia sido rápido, mas não apressado.
Estava na cozinha quando ouvi Dallas gritar do banheiro: "Compre meu diafragma! O dinheiro está em cima da mesa!"
O que diabos era diafragma?
Peguei o dinheiro sobre a mesa, calculando o tempo que demoraria no mercado e no ônibus. Chegando á maravilhosa conclusão de que seria impossível me atrasar naquele dia.
Estava tudo dando certo.
Eu tive certeza.
Uma certeza que permaneceu desde o momento em que eu peguei o primeiro e o segundo ônibus, chegando ao estacionamento do supermercado. Permaneceu enquanto eu atravessava os portões calmamente, enquanto passava pelas prateleiras, enquanto passava pela mulher vermelha, enquanto a mulher vermelha me parava me cutucado sem parar no braço...
- Perdão? - perguntei, constrangida.
- Eu trabalho aqui. - apontou para si mesma, orgulhosa. - E irei atendê-la.
Aahh...tá.
Tossi baixinho, reparando no quanto seu cabelo era forçadamente vermelho, num tom semelhante ao de uma peruca - coisa que eu não duvidava que fosse. Sua maquiagem preta havia sido aplicada mais em baixo que em cima, lhe deixando semelhante a um urso panda.
Muito elegante.
Tinha um sorriso pequeno. De quem achava que sabia de mais.
- Obrigada. - sorri, sem graça. Voltando a olhar a prateleira.
Diafragma, diafragma, diafrag...
Aonde eu acharia um negócio desse? O que deveria ser?
Diafragma...nem parecia nome de gente.
Parecia nome de um daqueles alimentos sem glúten.
Eu devia procurar na área dos alimentos dietéticos.
Isso, faça isso.
Caminhei sozinha até a área, mas senti que estava sendo seguida pela panda vermelha.
Isso para mim não era problema.
O grande problema pra mim havia sido quando passei entre as duas prateleiras e vi uma criatura tentando enfiar o peixe na garrafa de água.
A velha maluca.
- Senhora...não faz isso senhora. - a atendente resolveu se mostrar útil.
Ainda não gosto de você...
Mas mandou bem.
Expulsa a velha, expulsa a velha, expulsa a velh...
- O que disse?
Eu disse aquilo em voz alta?
- Nada. - tossi.
Se mantenha calada, sua biruta.
Desculpa.
- Ele está morto! - apontou para o peixe, arregalando os olhos azuis.
Ai, Deus.
Andei, me afastando daquelas duas figuras peculiares.
Não queria ser vista naquele meio.
A moça esfregou as têmporas antes de se virar pra mim.
- O QUE QUERIA MESMO? - gritou, para que eu a ouvisse naquela distância.
Queria fingir não ouvir e sair, mas a minha educação plastificada não permitia.
- QUERO UM DIAFRAGMA. - gritei de volta.
Podia parecer estranho, mas as pessoas pareciam estar todas olhando para mim depois daquela frase. Talvez por eu ter gritado do nada.
É, deve ser isso.
Vi uma moça me olhar feio, puxando sua filha pelo braço.
Olhei para a minha própria roupa, não vendo nada de errado.
A velha maldita apontou e riu.
Aqueles dedinhos infernais.
Joguei minha bolsa em sua direção para que parasse. Os olhares sobre mim piorando na intensidade.
Abaixei a cabeça.
Ninguém viu.
Não aconteceu.
A moça ficou fazendo movimentos com as mãos e com os braços, tentando me dizer algo.
- Borboleta? - perguntei e ela fez mais rápido - Lagarta?
A moça bateu a mão na testa com força.
- Mosca?
Por quê estávamos brincando de mímica mesmo?
Fez um sinal pra que eu calasse a boca e eu quis mandar que ela mesma calasse, mas notei que ela estava muda a muito tempo.
Ouvi uma risada e olhando ao redor, notei que tinha mais gente olhando.
Inclusive um cara que tinha a cabeça semelhante a um cotonete.
Perdi a paciência.
- O QUE É? - disse, talvez alto demais.
Olhou para cima, respirando fundo. Desistindo de mim.
Quando pareceu ter uma ideia genial.
Me jogou uma embalagem com algo, que estava dentro de sua bolsa.
Peguei.
Parecia uma anel gigante com algo de plástico ou látex no meio.
Mas que porra é essa?
Abri a embalagem.
Um murmurinho bem do meu lado.
Qual era o problema daquelas pessoas?
Mas que negócio mais inútil. Aonde eu guardaria aquilo?
Dallas está ficando maluca.
- Aonde vou enfiar isso daqui? - perguntei.
Uma mulher gritou, rindo.
Olhei feio.
Parecia que tinha levado uma facada.
Coloquei no olho, tentando descobrir sua função.
O girei, olhando.
- Você é burra! - o cara abaixou a cabeça rindo.
- E você tem cabeça de cotonete.
Parou de rir, olhando sério pra mim.
A moça vermelha se fez ouvir mais uma vez.
- Isso é comprado num gineco...
- Pra quê serve isso?! - atropelei sua resposta.
A moça bateu na própria testa e eu me perguntei se estava fazendo algo de errado ou se havia uma mosca para matar ali.
A moça estava apontando pra baixo o tempo inteiro e eu não estava entendendo nada.
Pare de ser idiota! Quis gritar pra ela.
Mas não o fiz. Apenas a olhando confusa.
- ENFIA NO MEIO DA SUA VAGINA! - perdeu a paciência de vez.
Parei. Arregalando meus olhos para ela.
Foi quando enfim entendi o que ela estava tentando me dizer.
Por isso apontava para baixo. Estava apontando para lá.
Ai, caramba.
SeuNome, eu vou te bater!
Eu estava completamente vermelha. Mais do que a mulher.
Carma, só pode.
Olhei ao meu redor. Todo mundo me olhando.
Todo mundo.
Todos.
Você me paga, Dallas.
Filha da puta.
Vai ter volta.
Observei minhas mãos e senti a ausência da minha bolsa.
Forcei a memória e lembrei que havia a jogado discretamente no meu pequeno momento de confusão interna. Uma idiotice, pensando no fato de que aquela bolsa tinha tudo da minha vida e sem ela estava tudo acabado.
Mas é claro a vendedora deve ter pegad...
Espera.
Não há vendedores em mercados.
As pessoas compram o que querem e pagam, simples. Ninguém te atende separadamente.
Nunca.
Ninguém nunca atende separadamente.
E se isso ocorresse, não seria cedido a mim essa exclusividade.
Meu coração já batia em meus ouvidos.
Quem poderia ser?
Minha garganta parecia ter sido fechada.
Por quê?!
Um cabelo forçadamente ruivo.
Uma peruca.
A ansiedade parecia querer sair do meu corpo através de tremidas na minha perna.
Os olhos pretos embaixo. Como um panda.
Justamente para torná-la irreconhecível.
Vi minha visão ficar turva, quando olhei logo a minha frente.
Ninguém.
Engoli em seco, me sentindo o ser mais patético do mundo.
As pessoas não prestavam mais atenção em mim. Não estava nem aí.
Típicos cidadãos de Joutech Blue.
O clima leve de antes havia se tornado o mais pesado possível.
Olhei para trás assustada, meu coração explodindo em batidas dentro do peito, vendo a mulher já saindo com minha bolsa, que continha todos os meus documentos.
- SeuNome, precisamos ir! - Pam puxou meu braço na direção oposta e tudo o que eu consegui fazer foi seguir - Estamos atrasadas!
- O quê? Pra quê?
- Reunião. - já estávamos nos aproximando do corredor.
O que não impediu a minha ansiedade de me corroer.
Minha vontade de cair dura e morrer voltou.
- Reunião? Que reunião? - estávamos a um passo da porta - Por que ninguém me avisou da reunião?
- Ah, ah! - balançou o dedo pra mim, didática - Te enviei trocentas mensagens em seu buenny, defeito seu não visualizá-las.
Ah...o buenny.
O tal aparelho que eu tinha que olhar a cada hora ou minha vida estava destruída.
Tentei me explicar, mas não tive tempo de dizer nada, pois Pam já havia adentrado a porta, me trazendo junto.
Todos os olhares sobre mim.
Todos.
Tudo o que eu queria evitar.
Estava acontecendo de novo.
Justamente o que eu mais temia depois da "troca de olhares" que havia acontecido ontem, antes de eu me jogar no chão e correr fingindo que não estava observando meu chefe escondida.
Pam respirou fundo, como as pessoas responsáveis faziam, pedindo licença, sendo consentida imediatamente pela mulher ruiva e de expressão séria á sua frente.
Caminhei atrás seguindo os passos de Pam.
- Você não. - intensa.
Parei.
Era, era...
Era...comigo?
Perdendo o ar.
Virei o rosto o mais devagar possível.
- S-s-sim? - balancei a cabeça internamente, me perguntando que droga havia falado.
- Não pensei que além de inteligência limitada tivesse problemas auditivos, senhorita.
Recuei.
O quê?
Estava mesmo falando comigo?
Era sobre ontem? Ai meu Deus!
Por Lilly.
Ele iria gritar o que aconteceu ontem na frente de todos?
Abri a boca e tentei falar. Talvez tivesse passado tempo demais tremendo e pronunciando palavras incompreensíveis, pois logo ouvi alguém pigarrear próximo a mim e a voz de Pam se fazer ouvir.
- Ahn...senhor. Acho que ela não sabe exatamente o que o senhor queria...
- O que eu queria? - levantou uma sobrancelha pra ela, os lábios entre os dentes - Queria que ás duas da manhã, quando lhe avisei pelo buenny, que ela tivesse saído de casa e comparecido á reunião que estava acontecendo. Queria que tivesse passado na xerox e trazido todos os documentos necessários, juntamente com meu café quente. Queria que tivesse o mínimo de responsabilidade.
Duas da manhã.
Ela havia me avisado algo pelo buenny ás duas e esperava que eu fosse imediatamente.
Eu não compareci á reunião.
A reunião deve ter sido adiada para agora, como está acontecendo.
Senti minha perna fraquejar, senti que poderia cair a qualquer momento.
Não sabia pelo o que me desesperar primeiro.
Não havia jeito. Não dava pra dizer nada.
Queria chorar.
Pam abriu a boca para ditar alguma defesa para mim, mas ele não deixou que continuasse com um só olhar.
- Não defenda-a. É tão irresponsável quanto ela.
Pam arregalou os olhos e lhe olhou como se fosse a pior coisa que havia ouvido em toda a sua vida.
Eu não conseguia pensar.
Me sentia ofendida.
Humilhada.
E principalmente exausta.
O dia não seria bom, mais uma vez, pra variar.
Eu havia acordado no horário.
Sem atrasos, sem estresse, sem nervosismo, sem desespero.
Mas mesmo assim ele encontrara razões para brigar comigo.
Ainda estava de pé quando a porta fora aberta num estrondo, levando a atenção de todos para aquele ponto - ou pessoa - em específico.
Eu ainda não havia olhado, estava presa em algum universo paralelo, como fazia o tempo todo.
Quando notei o peso do clima, ergui o olhar, engolindo em seco imediatamente.
Olhos verdes.
Era o símbolo do caos, da desordem.
Justin também lhe observava.
Ele não gostava do que via. Não gostava daquela pessoa.
Eu via em seu olhar.
Enquanto isso, a nova pessoa do ambiente havia sentado rudemente sobre uma cadeira distante de todos, próxima a um computador, ignorando a presença de todos, num ato rebelde, quase criminoso - levanto em conta as rígidas regras da empresa.
Esperei que fosse aquele homem seria demitido.
Esperei que o senhor Bieber parasse em sua frente e lhe ensinasse que não era daquela forma que se portava ali.
Esperei que aumentasse seu tom de voz e lhe humilhasse na frente de todos.
Que falasse com ele exatamente como falou comigo.
Mas ele apenas suspirou e disse:
- Vamos encerar por aqui.
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