sábado, 26 de março de 2016

Imagine Belieber Hot - Capítulo 2

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                               Capítulo 2 - Perdida
                                                                      SeuNome Stroome
                   
                                 "Nosso objetivo e satisfazer"
                                                                           50 Tons de Cinza

   - Tem café nas minhas bolas e eu não sei lidar com isso! - gritou alto o suficiente pra todos do andar ouvirem. Maravilha.
   Tinha a cabeça parecida com uma bigorna gigante e os olhos esbugalhados de raiva. Eu o entendo, também ficaria dessa forma se a funcionária nova derramasse café certeiramente lá. E se eu fosse um homem meu desespero seria ainda maior. Ele parecia em pânico. Fazia movimentos para aliviar a dor.
   Movimentos que só não eram mais estranhos que a sua cabeça.
   Meu peito subia e descia em nervosismo, enquanto eu reavaliava os últimos acontecimentos e meu coração batia de uma forma angustiante, me deixando mais e mais apreensiva. Fiz uma nota mental da situação, me controlando pra não entrar em desespero e começar a chorar.
  1) Eu tinha que trazer uma série de documentos para o senhor Bieber antes da reunião de hoje. Tinha que tirar xerox de todos eles e trazer um descafeinado bem quente ao mesmo tempo.
  2) Eu devo ter me enrolado em algum lugar entre o "trazer o café" e o "tirar xerox" e agora o cabeça de bigorna não para de gritar e eu queria que se calasse.
  3) Ele não iria se calar porque fui em quem derramou café quente nos documentos da reunião e nos "documentos" dele.
  4) A irritação do cabeça de bigorna deixava sua cabeça maior e eu não conseguia parar de rir.
  - Você está rindo! - berrou. A bigorna gigante ficando vermelha.
  Não diga...
   - Eu...ahn...M-me desculpe cabeça de bigorna, eu...
   - Do que você me chamou?
   Ai, meu Deus, SeuNome!
  - E-eu... - tremi sem saber o que fazer com a minha cara. Eu precisava ajudá-lo! É claro que precisava. O café ainda tinha vapor, imagine o que deve ter feito...Vamos, ande! Você precisa fazer alguma coisa. E se ele nunca mais puder ter filhos? E se ele puder? E se seus filhos nascerem com cabeça de bigorna e corpo de café? - Ah, já sei!
   Tive uma ideia brilhante!
   O que alivia queimaduras deve ser, provavelmente, o oposto ao fogo!
   Entreguei a ele uma vasilha que usavam pra limpar a máquina de xerox e pedi que ele despejasse seu conteúdo dentro das calças, mas ele me pareceu receoso. Então eu mesma o fiz. E esperei a expressão de alívio em seu rosto para finalmente me acalmar daquela crise de pânico.
   Mas ela não veio.
   Ao invés disso, sua expressão foi algo mais desesperado e prestes a ter um infarte ou algo parecido. Ele deve ter abrido a boca umas trinta vezes antes de começar a gritar como uma ambulância.
   Ué...qual o problema em jogar gelo?
   A minha dúvida permaneceu até eu olhar dentro da vasilha e constatar que lá não havia gelo algum e sim álcool. Álcool.
   Ah...então é assim que limpam o xerox.
   Droga, droga, droga...
   Enfiei as mãos entre os cabelos em pânico. É...eu ia chorar. Talvez o meu raciocínio não funcione tão bem assim quando estou prestes a ter um AVC ou algo do tipo.
   Ele estava com a cara vermelha e apertava os olhos e a masculinidade com força.
   - Senhor...e-eu...e-e-eu...- senti meu coração querer fugir da boca.
   - Não. Saia daqui. Fique longe de mim! - tentou soar grosseiro, mas parecia estar com medo. De quê? - Por favor...
   Ah, sim...
   Da louca que jogou álcool dentro das calças dele.
   Se eu jogasse café iria resolver? Ou iria pegar fogo?
   Peguei o café e ele gritou e se contorceu. Algo na sua expressão me fez crer que ele queria correr.
   - Senhor eu...me desculpe! Por fav...e-eu posso concer...
  - Não! Fique longe de mim! - bateu o punho com força na mesa derrubando o relógio. Mais um que se quebraria.... Observei as horas nele e tive certeza que se meu coração não parou antes, parou agora.
   O café quente e os documentos copiados.
   Eram pra ter sido entregues a dezessete minutos atrás para o início da reunião.
   Minha respiração estava acelerada e meus olhos arregalados. Meu coração batia forte e doía. Eu sentia a minha espinha gelar. Não tive certeza de qual velocidade exatamente eu comecei a correr, mas deve ter sido bem rápida, porque quando eu avancei em direção a porta ao lado do Cabeça de Bigorna ele fechou os olhos em pânico e eu senti como se alguma coisa em mim tivesse derramado nele. E...derramou mesmo.
    Foi o álcool. Nos olhos.
    Ai meu Deus...
    Desculpe.
   Continuei a correr e descer escadas sentindo as minhas pernas tremerem. Sentia como se meu coração tivesse errado uma batida ou duas. Eu havia feito tudo errado, justo no dia em que não poderia errar. As recomendações eram impressionar em meu primeiro dia pra apagar de vez a imagem pouco organizada e muito ansiosa que talvez eu tenho deixado passarEu havia preparado o café lutando para não me atrasar, molhado os documentos imaginando não me atrasar, castrado o cara do xerox enquanto pensava em não me atrasar....
   E me atrasei.
   Mas pelo menos o café continuou quente...
   Tudo ainda estava muito embaçado e eu ainda corria como uma louca. Quando eu o vi. Minhas pernas tremeram e minha boca ficou seca. Minha visão estava turva e tudo tremia. Estava distante, não havia me visto. Eu estou aqui. Por que ele está saindo? Ele não vai me esperar? Mas e as folhas? E o café? E a explicação? Tentei avançar, mas algo me impedia. Eu queria dizer que o que me impedia eram as minhas pernas que haviam petrificado com o nervosismo ou algo mais filosoficamente aceito, mas não era exatamente isso.
   Duas mãos. Segurando os meus ombros. Dois olhos tentando manter contato visual com os meus, enquanto eu tentava olhar pra ele. Por que estava indo embora?
   Dessa vez usava um terno preto, tão justo e alinhado ao corpo que eu podia ver perfeitamente os seus músculos. Seu andar e posição impunham mais poder do que normalmente demonstrava. Estava tão altamente sexual, como se em volta de si houvesse uma áurea do sexo, lhe circulando e prendendo os olhares em si, quase surreal. Eu me sentia quente, mesmo em meio ao frio insuportável daquele lugar, algo em mim estava aquecendo e eu fechei os olhos já sabendo o que era. Respirar estava sendo difícil.
   Entrou em um elevador transparente que subia rápido demais, como um elevador não deveria subir. E a funcionária que antes estava nele abaixou a cabeça, pediu desculpas e foi pra outro elevador.
    Engoli em seco.
   Tentei avançar, mas fui parada novamente.
   - E-ele já está indo...
   - Sim. Ele me disse tudo o que você precisa saber. - ainda tentava forçar contanto visual, mas eu não queria ver - Fique calma.
   Calma.
   Eu deveria ficar calma.
   Ainda receosa o vi sair e ignorar todos a sua volta, inclusive as tentativas frustradas de uma funcionária de chamar a sua atenção. Encarei a mulher a minha frente, os grandes e espertos olhos azuis pareciam denunciar o quanto sua boca queria falar desesperadamente. Já havia a visto antes, talvez no dia da entrevista de emprego. Distante, me observando. Talvez me lembre tão vividamente dela porque ela não me lançou o mesmo olhar dos outros, não me encarou com superioridade. Seu olhar foi um tanto...indecifrável.
   Ela já tagarelava a minha frente sobre algo que eu jamais saberia. Era algo sobre alguém que ficou com muita raiva e algo sobre essa pessoa estar pegando o que deveria ter pegado á dezessete minutos. E talvez algo sobre uma reunião.
    - E a reunião deve começar em... - olhou algo em um aparelho grande e transparente - Cinco minutos. Mas eu gosto de antecedência, então estamos atrasadas.
    Eu tremi inteira. Talvez como nunca na vida. E arrepiei. Os dois ao mesmo tempo, e talvez não exista sensação mais ruim no mundo. Eu sabia de quem ela falava.
   - E-eu... - devo ter respirado umas trinta vezes antes de falar. Eu sentia o meu coração alto dentro de mim. Ela nunca iria entender. - Eu não sei o que fazer.
    Desespero.
    Depois do fiasco que foi a minha entrevista, tudo o que eu menos queria era ficar no mesmo ambiente que ele novamente. Só que eu jamais saberia explicar isso pra moça a minha frente. Apertei minhas mãos que estavam tremendo e suando mais do que deveriam, ainda mais com ela tagarelando a minha frente e me puxando pra um lugar que eu - infelizmente - sabia muito bem aonde era.
    Vê-lo novamente. Meu estômago se contraiu.
    A voz, o olhar, as palavras...
    Não. Por favor, não.
   O número de situações constrangedoras que eu consigo me meter é inacreditável.
   - Não acredito! - nem eu...- Somos de mesmo setor!
   - Ah...isso é bom. - disse sem jeito, respirando com dificuldade.
   - Bom? Isso é ótimo! Já sabe aonde é a sua sala? Já está por dentro das regras? Conhece o depósito? E seu buenny, já pegou? - ela falava e falava. Parecia querer se controlar entre uma pergunta e outra, mas logo lhe vinha outra coisa muito melhor para perguntar.
   - Hm... - eu realmente não conseguia me comunicar com alguém que falava tanto, sendo o tipo de pessoa que ás vezes sentia a voz falhar por falta de uso - Bu...
  -...enny. Buenny. - me ajudou - Não tem, huh?
  - Não. - ela pareceu surpresa - Eu acho...eu acho que não - completei receosa.
  - Ah, mas isso nós podemos resolver! Todo mundo aqui tem, são normas. Página sessenta e cinco no livro das regras. - a empresa tinha um livro com mais de quatrocentas páginas. Como alguém poderia ler tudo aquilo e decorar?
   - Disso eu sabia - menti, sem graça. Me sentia boba por não saber.
   - Então vamos pegar o seu. - sorriu. Mas não parecia ser o tipo de pessoa simpática que ri de tudo.
   Foi marchando pra outra direção. Tinha uma grande tela moderna na parede, ela simplesmente tocou no meio e...
   - Você toca e ela se acende - dizia tão rápido que era difícil de acompanhar - Depois você sorri e... diga x.
   - X?
  Um flash veio diretamente nos meus olhos e eu temi ficar cega. Mal tive tempo de reagir e ali estava o meu rosto na tela.
   - Ficou horrível...
   - Eu sei. - ela disse ainda mexendo em algo naquele troço - É como como uma câmera frontal de um celular caro, a imagem pode estar perfeita, mas seu rosto vai ficar horroroso se for pego em um ângulo ruim.
   Mas ela não parecia estar nem aí para tirar outra melhor.
   - Hm...vigésimo nono andar. Certo, você fica bem perto da minha sala. E é disso que eu estou falando! Por isso precisamos de instrutores nesse lugar, o sistema daqui é impossível de se decorar - mas eu não duvidava nada que ela já o tenha decorado. - Ah, meu nome é Pam Ross.
   - SeuNome. Ahn, SeuNome Stroome.
   - Ah, então você é a... - parou como se estivesse dito uma bobagem. Espera, como ela sabia sobre mim? O que ela sabia sobre mim? - A SeuNome. Legal...
   Não era isso o que você ia dizer.
   Voltou a ir em direção ao elevador me deixando petrificada no mesmo lugar. Não conseguia me mexer, mas não era porque ela tinha se afastado - eu teria conseguido sair de lá, eu sei que conseguiria. Mas por conta de algo muito...pior. Eu vi algo.
   Algo que nunca imaginei ver ali.
   Um olhar. Congelante, invasivo e cinza. Minha espinha gelou ao constatar que aqueles olhos tinham de fato o tom cinza. Era cortante e assustador. E talvez pior que aquele olhar, só a dona dele. Os braços cruzados, a pose desleixada naquele ambiente tão formal, as roupas pretas e o olhar sombrio e assassino. Tentei sair dali normalmente mesmo com aqueles dois icebergs cravados em mim, juro que tentei ignorar e andar quando senti uma sensação horrível me atingir. Mas o que provavelmente me tirou dali foi a voz da moça que falava demais, e pela primeira vez naquele dia eu agradeci por ela falar tanto. Me afastei ainda sentindo medo. Aqueles olhos cinzas...pareciam tão carregados. Olhei ao redor e notei olhares atravessados na minha direção. Por que estavam me olhando daquele jeito? O que eu fiz?
    Talvez eu seja menos aceita nesse lugar do que imaginava.

                                                           **********************

    - Energúmenos! Nada mais que isso. - seu tom era frio e impassível. Observava por cima todos sentados ali, como uma águia observando sua presa. Eu via as pessoas tremerem. Ele nunca olhava pra ninguém especificamente - Por que é tão difícil me trazerem uma proposta decente?
    Tudo estaria silencioso se não fossem as respiradas desesperadas de algumas pessoas ali. E eu não estava muito diferente, sentia que meus pulmões iam partir com as batidas de meu coração.
   Nunca havia visto alguém dominar uma reunião daquela maneira.
   - Digam alguma coisa. Se eu quisesse falar sozinho comprava um espelho. - frio.
   Eu não conseguia encarar nada que não fosse a mesa a minha frente. Sentia a minha visão ficar turva e o suor frio se formando em minha testa, tudo estava me deixando desconfortável. O lado esquerdo daquela sala impecável estava quente, o lado em que ele estava sentado. Torci várias vezes pra que alguém dissesse algo logo, porque se eu fosse falar iria gaguejar, dizer tudo rápido ou baixo demais. Por favor, digam algo. 
   Por favor.
   - Eu...ahn... - quis abraçar Pam quando ela começou a falar, mesmo insegura. A alguns minutos atrás ela era admiravelmente comunicativa e desinibida, mas após entrar no mesmo ambiente que ele, as palavras pareceram fugir de sua boca, sendo substituídas por sons incompreensíveis. Eu a entendia. - Acho que o marketing sempre resolve. Quer dizer, o marketing seria a solução perfeita. Por que...uh...as tecnologias daqui são extraordinárias. Não há o que melhorar.
   Sim, marketing! Era a solução perfeita, é claro. A empresa havia acabado de lançar novos modelos de tablets e blootlous - um novo tipo de computador móvel produzido apenas na Bieber's Group Inc., nunca em outro lugar. O problema era que o investimento foi alto e as vendas foram um pouco mais baixas do que o esperado. Mas foi muito pouco, coisa de centavos.
      Mas ele não parecia estar nada feliz com a ausência daqueles centavos.
    - Parece que temos alguém com células cinzentas por aqui. Seu nome? - cerrou os olhos pra ela.
   Pra ela. Mas foi a minha boca que ficou seca. Fui eu quem estremeceu e apertou as coxas desconfortavelmente. O desespero subiu a minha garganta.
     - Ross. - respirou fundo - Pam Ross.
    - Pam Ross. - pronunciou seu nome devagar. Seu tom foi rouco e...droga. Tão baixo e sensual. Fechei os olhos. Poderia gemer se ouvisse aquela voz, dizendo o meu nome, sussurrando quente no meu ouvido. - Senhorita Ross, você tem um ponto maravilhoso, de verdade. Mas eu peço licença para discordar.
    Eu quase pode ver a minha boca se abrir. A minha e a de todas as pessoas presentes naquela sala. Ele iria achar defeito naquilo? Como? Aquilo era mesmo possível?
    - Marketing. Numa das maiores e mais lucrativas empresas do mundo. Não está pensando direito, senhorita Lan. Marketing para anunciar um novo produto. Um novo produto que já é cobiçado e comentado nos corredores de qualquer colégio em qualquer parte do mundo. Comerciais que são apresentados em todos os canais. Até os bordões usados nas propagandas viraram meme na internet. Marketing faria as pessoas conhecerem o produto, disso você não vai me ouvir discordar, mas elas já o conhecem. Todas elas. Não compraram porque o produto não lhes interessa. - seu tom foi firme. Quase cruel. Como se aquele último o fato de "não lhes interessar" fosse inadmissível.
   Mas lhes interessava. Foram centavos. Centavos!
   Pam abaixou a cabeça parecendo não ter ideia de como competir com aquilo. Seu olhar se direcionou a ela e sua cabeça abaixada e eu agradeci mentalmente por não ter sido eu. Se eu tivesse abaixado a cabeça naquele momento e ele me visse...se ele reparasse em mim...
    Eu já poderia sentir o meu coração parar.
    Talvez o meu único alívio esteja no fato de que ele ainda não havia me notado ali. Era como se eu não estivesse ali. Ele não sabia quem eu era, não sabia o meu nome, não se lembrava de nada. Isso era o que me aliviava e me fazia respirar um pouco menos desesperada.
   Sequei o suor das mãos na saia que Dallas educadamente me forçou a usar.
   Bateu os punhos com força na estrutura da mesa. O baque alto me assustou, quase me fazendo dar um sobressalto. Meu coração estava acelerado.
    As pessoas pareciam tremer.
   - Uma ideia. - rosnou ameaçador - Por que ninguém aqui tem a droga de uma ideia pra salvar os lucros dos lançamentos dessa queda vergonhosa? - centavos. Era realmente vergonhosa a falta de poucos centavos quando um produto já lucrou milhões - O que estão fazendo aqui? Para quê, exatamente, estou pagando vocês? Eu deveria puni-los. - seu olhar dominador passeou por cada um. Mas nem ao menos me notou. Ótimo, assim está bom. Continue, por favor.
    - E-eu... - um cara, que parecia bastante intimidado, disse - Não consigo pensar em nada sem o meu computador. Eu poderia fazer uma pesqui...
   Ele o ignorou.
   - Não coloque a culpa da sua falta de compreensão e capacidade intelectual no seu computador.
   O homem e Pam tiveram a leve impressão de que ele educadamente duvidou de sua capacidade intelectual. E eu tive a leve impressão de que ele educadamente o chamou de burro.
   Seu olhar se voltou para o caderno preto a sua frente, como se olhar para as pessoas ali lhe irritasse. Minha respiração estava alta e pesada. Minhas pernas tremiam. Observei aquele caderno preto. O que será que havia nele? Por quê estava aqui? Eu me lembrava dele da entrevista de emprego.
    A entrevista de emprego.
    Pensei no quão surreal foi aquele entrevista. Em como tudo deu tão errado e tão certo ao mesmo tempo. Ainda podia sentir as minhas bochechas ficarem vermelhas e um incômodo no peito enquanto me lembrava, passei o último dia tentando me esquecer do que aconteceu ali, mas as lembranças sempre voltavam. Não contei nada a Dallas, não que ela não tivesse insistido até a morte e jogado as minhas calcinhas pela janela acertando a cabeça do carteiro, mas eu não cedi, estava envergonhada.
   E ainda estou.
   De repente, tudo começou a voltar e eu apertei as mãos na cadeira imaginando o quão constrangedor era encará-lo novamente depois daquilo. Depois do olhar profundo e intimidador, da intensidade focada em mim, das coisas que me deixavam inquietas e eram capazes de acelerar mais do que a minha respiração, das pernas tremendo, de algo queimando entre as minhas coxas. Foi como se enxergasse através de minhas roupas, a forma intensa e provocativa que se sentava, levantava, andava e observava. Meu olhar desceu de seus dedos até o seu caderno. Senti arrepios em áreas que eu nem sequer sabia ser possível. Desci o olhar até o seu abdômen. Passei a mão pela testa, limpando o suor que o nevosismo já me causava, só pra constatar o quanto a minha mão também estava suada e tremia. Desci mais um pouco até o seu membro. E...não consegui parar de olhar pra lá. Era tão surrealmente volumoso.
   - Não está me ouvindo, senhorita Serena? - arregalei os olhos. Minhas bochechas queimando, meu corpo tremendo.
   E eu olhei.
   Seu olhar estava fixo no meu.
   E não só o dele...
   Todos estavam olhando pra mim.
   Ele havia me chamada diversas vezes e eu não havia ouvido. Talvez meu coração tenha dado uma pontada ou duas quando constatei que ele e todos na sala haviam visto para onde eu estava olhando antes.
    Engoli em seco.
    Eu deveria falar.
    Ai...droga.
   Minha boca tremia antes que eu pudesse formar as palavras. Eu deveria olhar em seus olhos, mas não conseguia. Tudo tremia. Meu estômago se revirou e eu quis morrer.
   A minha espinha gelou.
   Eu via o seu poder sobre as pessoas ali. Estava sentado sobre a cadeira, com sua pose poderosa e autoritária. Sua expressão séria predominante. A mão apoiada na coxa direita, o olhar dominador e penetrante. A seriedade. Ele iria reclamar a qualquer segundo, de qualquer mínimo errinho, seria perfeccionista vendo a forma organizada como trabalha e gosta de sua mesa.
   - E-e-eu...ahn... - o que ele havia perguntado? -...p-p-or...E-eu a...a...acho...
   - Qual a sua solução? - repetiu a sua pergunta. Como se a minha atitude fosse patética.
   Puta merda.
   Minhas mãos tremiam demais. Eu podia sentir a minha garganta travada por mal usá-la. Devo ter respirado fundo umas trezentas vezes, enquanto sentia as minhas bochechas explodindo. Meu coração deu um sobressalto.
    O que eu diria? Eu não poderia dizer o que pensava sobre aquilo...poderia?
    - E-e-e-eu, ah...e-eu acho que... - todos me olhavam e eu não tinha noção de como reagir a aquilo. Aquele estava sendo o pior momento da minha vida. - E-e-eu...
   - Senhorita Stroome. Se continuar falando baixo e cortado dessa forma eu não poderei ouvi-la.
   Eu estava em choque. Não conseguia formar uma única palavra.
   Respirei fundo. Vamos! Diga de uma vez. Rápido e alto, como um espirro. Não faça nenhuma besteira.
   Sentia o meu corpo tremer.
   Pedir pra mim parar de fazer besteira era o mesmo que pedir a um doente para ficar curado.
   - E-eu acho que...não é preciso uma solução. Ahn...são apenas centavos.
   Achei que tinha dito enfim a coisa certa. Mas parei de achar no momento em que olhei para as pessoas ao meu redor e as vi arregalarem os olhos e me olharem de boca aberta. O que eu disse de errado? Qual era o problema?
    Bem...eu só percebi quando olhei pra ele.
    Seu olhar sério estava preso em mim. Ficou assim por um instante inteiro. Seu olhar parecia avaliativo, como se estudasse todas as minhas ações. Minhas mãos esfriaram e eu só queria correr dali.
     A sala entrou num silêncio de velório, se uma agulha caísse no chão todos poderiam ouvir. Todos olhavam pra ele, que ainda observava. Meu estômago dava voltas e voltas e eu me perguntava diversas vezes no que tinha errado.
     Ele se levantou lentamente e eu senti arrepios do tipo ruim.
     Puta merda.
     Engoli em seco uma, duas, três vezes. Sentindo como se dentro de mim, meu coração estivesse congelando.
     - Centavos. - disse, seu olhar circulando a mesa - Isso não importa pra você, é claro. Você deve achar loucura alguém que lucra milhões mensalmente se importe com míseros centavos. Deve estar rindo nesse momento dentro de sua mente pequena. - estremeci com o fim de sua frase. Mente pequena.
    O olhar de todos estavam cravados em mim e eu me sentia afundar naquela cadeira.
    Eu me sentia pequena.
    Me sentia minúscula.
    - Mas deveria saber que quando se investe algo em um produto, o esperado não é receber de volta o mesmo valor, é mais. Muito mais. O esperado é ganhar mais do que o dobro, nunca a mesma quantidade. Se não, não seria investimento e sim empréstimo, senhorita Helena. - Meu nome, ela não o sabia. Andava sexualmente em alguns pontos da sala, seu caderno entre os dedos. Observei suas costas enquanto planejava me jogar dentro de um buraco.
    Minhas bochechas queimando.
    Eu tremia muito, sentindo medo.
    Eu pude ver nos seus olhos. Estava com raiva.
    Porque eu me atrasei. Por ter estragado as chances de essa ser uma simples reunião, como sempre foi.
   Ele não gostava de mim. E, bem pior...
   Ele me odiava.
   Subiu as mangas de sua blusa branca e de botões lentamente e eu senti minha resolução falhar. O mínimo pedaço de pele exposto foi capaz de me fazer apertar as coxas.
    - Se Jordan Peters pensasse como você, não teria sido preso, gostaria de lembrá-la senhorita. - observou um ponto além da enorme janela da sala - Aquele senhor miserável que roubava dinheiro de contas bancárias. Roubava um centavo de cada uma. Apenas isso, nada mais. Os donos das contas não sentiam nem cócegas com a falta de um centavo. Mas ele... - apertou os mãos - Ele conseguiu juntar mais de sete milhões de dólares, apenas com aqueles míseros e insignificantes centavos.
    Por que eu tinha que ter abrido a boca? Poderia ter dito qualquer coisa. Poderia ter dito que concordava com o marketing ou que investissem menos naqueles computadores malditos. Mas não, eu tinha que ter falado mal de seus preciosos centavos.
    - Não deve considerar o que eu invisto pra isso aqui funcionar. Nos bilhões de centavos.  - suas mãos se direcionaram até os seios de uma funcionária. Eu vi os meus olhos se arregalarem e a minha boca se abrir, mas ele apenas pegou o óculos que estava preso a sua roupa. Eu vi a moça estremecer quando ele os limpou despreocupadamente e lhe direcionou um olhar severo - Tudo pra precisar ouvir que os centavos são insignificantes. Que estou sendo perfeccionista e exagerado. Tudo pra ter que me sentar numa mesa com energúmenos que não possuem a dádiva do raciocínio e não trazem ao menos uma proposta decente.
    Eu me sentia afundar e afundar naquela cadeira. Sentia que precisava sumir dali ou iria acabar ficando vermelha para sempre. Sentia um calafrio ruim se espalhar por meu corpo. Não queria que aquilo se repetisse novamente. 
   Ele sabia que era sexy. Sabia dos efeitos sexuais que causava nas pessoas. Sabia como deixar uma pessoa excitada ao nível do insuportável. Sabia que sua presença fazia pernas tremerem e respirações acelerarem. Sabia que fazia bocas secarem e uma parte bem específica do corpo molhar.
    Sabia de tudo isso.
   Por isso não me surpreendi quando ele puxou discretamente um objeto prateado de dentro do livro preto.
   Só não esperava que ao espremer os olhos, percebesse que o objeto prateado fosse uma algema.
   E, naquele momento, eu vi. Vi nos seus olhos que ele se lembrava exatamente do que aconteceu na entrevista de emprego.
    - Você. - apontou para a moça do óculos, que pareceu engasgar com a própria saliva - Quero que você fique no meu lugar e explique sobre o corredor do primeiro andar, não quero ter que gritar com ninguém hoje. - seu olhar passeou por cada um na mesa, até parar sobre Pam - Senhorita Sam. Venha até aqui.
    A moça se levantou.  E ela nos apresentou a mesa.
    Sim. Apresentou.
   Não apenas me mostrou e disse como trabalharia ali. Ela disse algo e aquela coisa esquisita respondeu. Com uma voz parecida com a que se ouve no google translate. 
   Era como um robô programado, é claro, mas não deixava de ser estranho. Principalmente pra alguém que nunca teve contato algum com tecnologias daquele tipo.
   - Um buenny para mim, por favor. - não. Aquela coisa não iria obedecer.
   Mas obedeceu. E ainda a chamou de "senhorita Duff". Não podia esperar para vê-la me chamar de "senhorita SeuNome" também.
   Pam se levantou e foi até onde ele havia lhe indicado, em um canto distante da sala. Se aproximou sutilmente de seu ouvido, seus lábios roçaram em sua orelha enquanto lhe sussurrava algo. Algo que ninguém poderia ouvir pois a moça do óculos estava falando.
   -...já devem saber que o corredor do primeiro lugar não é um lugar muito inteligente para se visitar.
   Voltei  minha atenção totalmente a ela quando ouvi aquelas palavras. Era um corredor. Simples, branco, luxuoso, limpo, dava pra confundi-lo facilmente com os outros corredores da empresa...se não fossem as longas faixas amarelas cobrindo a sua passagem. Ninguém sabia o motivo daquilo, ninguém se atrevia a pensar no que ocorreu ali, só desviavam o caminho e o olhar. A empresa entregou algumas regras pra poder trabalhar naquele prédio enorme sem se perder ou entrar numa situação consideravelmente grave. E entre suas regras, aquele corredor é citado de uma forma um tanto quanto rude. Alguns funcionários com muito tempo livre criaram algumas lendas e conspirações sobre isso, mas ninguém sabe ao certo em que acreditar.
    - Como sei como as coisas funcionam na cabeça de vocês, devem estar se perguntando o que diabos há lá. E a resposta é simples: tudo o que há aqui. Salas exatamente iguais, não a motivos para quererem arrumar uma demissão ou um processo passando por lá, sim? - sorriu e abaixou a cabeça. Já havia dito o suficiente e...ele havia passado ao seu lado. Talvez tenha parado por ter perdido a concentração ou por seu perfume, eu não saberia dizer. O observei sair, temerosa, e senti Pam se sentar novamente ao meu lado. Sussurrou que eu deveria pegar os balancetes com Chandler, o contador da empresa, depois começou a falar algo ao meu lado, mas eu não conseguia ouvir, só observá-lo.
    -...e ele se foi, não vai voltar, e disse que é bom que não faça nada errado ou...
   Pisquei os olhos diversas vezes. Sentia o meu coração dar saltos e meu estômago voltas, como se houvesse um circo sendo estreado dentro de mim.
    - Se eu fizer algo errado ele irá me punir? - disse trêmula.
    - Te punir? - ela perguntou retoricamente. Minha garganta ficava mais e mais seca. - Ele irá te demitir.

                                                         ***********************

   A primeira coisa que pensei quando cheguei ao sétimo andar foi que seria difícil e cansativo encontrar o contador da empresa. A segunda, foi que seria difícil  cansativo impossível achar o desgraçado.
   O lugar era um labirinto.
   Chandler, seu lindo, apareça.
   Nunca te pedi nada.
   Andei alguns passos. Eu deveria pedir informação? Mas pra quem? Observei ao redor.
   As pessoas nesse lugar só podem ter algum problema.
   A temperatura é insuportavelmente fria, do tipo que mal dá pra andar sem tremer ou se encolher.
   Porém eles o faziam. Andavam pra lá e pra cá com suas posturas superiores, sem encolher um único músculo, como se não fossem abalados por nada.
   Mas eu também devo ter algum problema, já que devo ter ficado mais de dez minutos andando pra lá e pra cá perdida. E as pessoas que passam ao meu lado não me dão uma única chance de pedir informação, alguns esbarrando em mim, sem se importar o suficiente para se virar e pedir desculpas. Pareciam não estarem com a mínima vontade de cumprir aquilo que lhes era socialmente exigido. Andavam pra lá e pra cá, como robôs assustadoramente perfeitos que não enxergam um palmo a frente.
   Mal educados.
   Meu trabalho em encontrar o pilantra do contador estava sendo tão bem sucedido que eu achei que se colasse um cartaz na testa com "sou secretária e aceito balancetes" eu me sairia bem melhor. Olhei para o meu relógio, checando quanto tempo eu tinha. Bem, eram pouco mais de seis horas. Isso se eu ficasse sem almoçar e todos os meus contratempos acabassem a partir de agora. Vi alguém passar por mim e lhe pedi a informação e tudo estaria resolvido se aquela pessoa não tivesse me ignorado completamente e passado direto. Por quê aquelas pessoas estavam sendo horríveis?
   O dia estava sendo um perfeito inferno.
   Aquele aparelho estranho que todos chamavam de buenny vibrou dentro do meu bolso e eu o desbloqueei. "Entregar um relatório com a situação completa de todos os projetos que a empresa tem em parceria com as empresas da região", era o que eu devia fazer. Quantas empresas haviam na região? Em qual, especificamente, região ele falava?
   Ok. Eu estou bem mais ferrada do que pensava.
   O negócio vibrou de novo. "Entregar contratos assinados a Steve Clair, daqui a trinta minutos". Ai, não. Eu sentia a minha têmpora tremer. Se aquela coisa vibrasse mais uma vez as coisas iriam ficar relativamente sérias e demissão passaria a ser a minha realidade. Por que - de repente - aquilo pareceu ser proposital?
   Vi uma velha apressada e baixinha passar com um copo de café grande demais para o seu tamanho. Não me pareceu ser como as outras pessoas, então resolvi arriscar.
    - Eu...ahn...eu gostaria de saber aonde está Chandler? - a velhinha franziu as sobrancelhas para o seu café - O seu café está...o contador da empresa. - me olhou como se eu falasse outra língua.
    Se virou decidida e começou a derramar aos poucos e café sobre seu computador.
    - Café no computador.
    Han?
    Arregalei os olhos quando notei que foi isso que ela entendeu.
    Não.
    Comecei a tentar puxar o café de suas mãos, antes que eu fosse culpada pela morte do computador. Mas ela era teimosa e puxava o café com mais e mais força, até que eu pedi que soltasse e ela enfim pareceu ter entendido.
    Nem preciso dizer entender significa que ela soltou de uma vez e o café derramou completamente em algum ponto atrás de mim.
    - Por Deus! - olhei para trás só pra constatar que aquela cabeça tinha o tamanho duas vezes maior que o de uma cabeça normal - Você de novo!
    Ai, céus!
    A bigorna não.
    - D-desculpa... - tentei fazer algo para ajudá-lo, mas o cara já me odiava, não deixaria - E-eu acho que...
     As pessoas ao redor olhavam a confusão.
     Merda.
     É sempre assim. Por algum motivo, sempre que quero muito alguma coisa, acabo pensando muito nisso e me esforçando pra que fique perfeito. E deve ser nesse momento que o senhor destino resolve derrubar o meu café e minhas folhas. Única explicação.
    - Senhora Lange, quem é essa daí? - alguém pareceu ter resolvido se meter na confusão. A moça do óculos.
    - Aquela novata que todos estão ignoran...
    - Lange, já pode sair. Deixa que eu assumo daqui. - interrompeu-a e eu só pude imaginar como terminaria sua frase.
   Ignorando? Tipo...de propósito? Não, devo ter entendido errado.
    - Aonde ela conseguiu esse café?
    - Não sei.
   - E de onde o outro surgiu?
   - Não sei.
  - Sabe aonde está o contador da empresa?
  - Não sei...- eu estava ficando sem graça.
  - Qual o seu nome?
  - Não sei. - pisquei - Q-quer dizer...sei. É...SeuNome, S-SeuNome Stroome.
  Mas que droga, SeuNome! Perdeu o juízo? Como diz isso pra moça?
  Esperei a mulher parar de rir da minha cara, até finalmente conseguir dizer alguma coisa.
  - Eu preciso de... - tentei dizer, mas ela se aproximou e olhou o meu buenny, abanando a mão.
  - Não precisa mais. Eu posso pegar o que precisa com Chandler. Mas vai ter que fazer o resto.
   Sorri. Ao menos uma coisa boa.
   - Obrigada.
   - Não agradeça. Ainda vai ter que entregar o relatório em meia hora, e está perdendo tempo. Você só consegue ele na mesa da sala do café, já que não pode usar sua própria mesa por estar sem instrutor. Então se apresse. - avisou.
    Sala do café...aquilo seria fácil.
    Fácil demais. Sorri, percebendo que tudo poderia enfim dar certo.
    Andei calmamente até a sala do café, um local aonde os funcionários descansavam e tomavam café em seus intervalos. Eu não serei demitida. Não terei nenhum problema. Nenhuma bronca. Nenhum café derramando na roupa de estranhos.
    Abri a porta devagar, quando notei que a sala estava ocupada. Soltei a maçaneta ao ouvir suas vozes, não iria ouvir a conversa de ninguém e nem atrapalhar, não era da minha conta.
    - Viram a funcionária nova?
   Espera. Eles estavam falando de mim?
   Não. Haviam outras funcionárias novas, é claro que haviam.
   Dou mais alguns passos á frente, parando bruscamente, quase sentindo a minha pressão cair.
   - John estava nervoso hoje, nunca o vi tão furioso. Ele disse que ela derramou café nele. Duas vezes! - meu coração bateu descompassado. Eu não deveria ouvir, mas...droga!
    Me aproximei da porta tentando ouvir o máximo que poderia.
    - E quando todos começaram a ignorá-la? - uma voz disse. Risos se espalharam pela sala.
   - Parecia uma barata tonta, para lá e para cá.
   - Eu vi, seus malvados, ela deve estar se perguntando qual o problema dela até agora. - a voz era feminina. Sensual, do tipo que dá arrepios.
    - Ah, mas nós sabemos qual o problema dela...
   Meu corpo tremia completamente.
   - Estamos a afastando daqui, estamos fazendo-a pensar em demissão, parece ruim, mas somos bons. Ela vai nos agradecer se sair.
   - E desde quando somos bons samaritanos aqui? - alguém disse, rindo.
   - Não seja idiota.
   - Não estou sendo. Foi só uma pergunta.
   - Uma pergunta que você já sabe a resposta. - rosnou.
   Eu já devia ter ouvido aquelas vozes em algum lugar. Queria olhar pela fresta pra ver quem eram, mas a coragem fugiu.
   - É um caminho sem volta. - outro concordou.
    Pisquei os olhos várias vezes, incerta do que tinha ouvido corretamente.
   É o quê?
   - Ela vai desejar não estar aqui. - algo em seu tom me fez perceber que ele não falava somente das exigências exageradas do senhor Bieber e do trabalho quase desumano ali.
   Certo. Agora eu tremia de verdade. Sentia o meu corpo inteiro se esfriando e tremendo. Tudo doía.
   - Não acha que deveríamos contar á ela? Dizer á ela o que lhe espera?
   - Contar? Está louca? - ele riu com gosto - Ela chamaria a polícia.

                                                        ***********************

   Eu engolia em seco.
   Uma pergunta que você já sabe a resposta.
   Meu estômago embrulhou.
   É um caminho sem volta.
   Estava entre um soluço contido e um choro.
   Ela chamaria a polícia.
   Eu sentia que ia desmaiar.
   O que eu não sabia? O que eles deveriam me contar?
   Eu queria vomitar.
   Estava parada em frente a mesa da recepcionista, em desespero. Iria pedir a sua ajuda. Jamais conseguiria entrar na sala do café depois daquilo e eu não poderia usar a minha mesa como salvação, não sem o meu instrutor.
    Eu tinha meia hora, ou seria demitida.
    Estava parada, observando a mulher falar ao telefone, ela disse que logo me atenderia. Mas eu não saberia como podia me ajudar. Na verdade, era impossível.
    Eu só queria falar, só queria colocar tudo aquilo pra fora...mas se eu o fizesse iria chorar. Aquilo foi uma má ideia.
    Não. Aquilo foi uma péssima ideia.
    A voz daquelas pessoas estava nos meus ouvidos e eu esfreguei as têmporas.
    Não tinha como eu resolver aquilo. Não havia jeito. Eu havia resolvido aceitar a situação. A recepcionista não iria me ajudar. Eu teria saído pelas portas daquela empresa de cabeça baixa e completamente vencida...
   Se não fossem as malditas faixas amarelas no corredor.
   Salas exatamente iguais.
   Exatamente iguais significa com mesas iguais também, não é?
   Não. Eu não faria isso. Jamais.
   Correr o risco de uma demissão muito pior e ainda ser processada não é exatamente o que eu preciso no momento. Foi a pior ideia que eu tive até agora.
   Não devia estar pensando direito quando considerei ir naquele lugar perigoso, que ninguém se atrevia a passar perto, que todos temiam e que por algum motivo ninguém podia entrar lá. Não devia ter considerado direito quando pensei em me livrar de uma demissão arrumando outra muito pior. Não devo ter pensado direito quando sequer pensei em ir ao lugar que mais poderia irritar minha chefe, em todo mundo.
    Mas quando a recepcionista desligou o telefone e me perguntou o que eu queria...
    Tudo o que eu pensei foi: Dane-se.






    Posso não parecer uma boa funcionária - ás vezes -, mas nesse fim de semana que tive entre o dia da minha entrevista de emprego e hoje, eu li uma lista com algumas regras da empresa. A lista tinha, sei lá, vinte e nove páginas?
   Tá. Eu só li a primeira página.
   Ah, quem eu estou tentando enganar? Só li os cinco primeiros itens e parei porque estava com preguiça e fiz o que sempre faço quando preciso fazer algo importante: deixei para fazer mais tarde, mas então quando ficou mais tarde eu estava com sono e me convenci de que aquela lista não era nada importante. É o que sempre faço quando tenho algo muito importante. Fico adiando e adiando, mesmo sabendo que vou me ferrar legal um dia com isso.
    Eu sabia que aquela lista que mais parecia uma daquelas cartas de fã com um tamanho interminável teria alguma importância na minha vida e me convenci de que aqueles cinco primeiros itens seriam o suficiente para um primeiro dia.
    Ainda estou arrependida por não ter lido tudo, mas uma parte de mim está me agradecendo histericamente - como uma fã descobrindo que o ídolo leu a tal carta - por ter decorado as tais cinco regras, porque uma delas se aplicava perfeitamente a aquela situação.
    "Não entrar em nenhuma, sob nenhuma circunstância, sala do primeiro ou segundo andar."
    Bem, talvez as palavras no papel estivessem mais formais e educadas, mas o sentido era o mesmo.     Assim como o aviso de Pam Ross sobre aquelas salas. O que tinha nelas, eu não sabia, mas com certeza haveria uma ou duas mesas nunca usadas que não me fizesse querer quebrá-la com um martelo.
   É errado, eu sei. Mas, droga! Como uma empresa pode ter dois andares inteiros proibidos de ser acessados? O que de tão secreto poderia ter ali? E bem, eu ainda podia usar a desculpa de ter me perdido e por ser funcionária nova não conhecer as regras...
    Engoli em seco desesperadamente.
   Uma das primeiras regras, que precisava ser guardada com mais cuidado, estava prestes a ser quebrada.
    Por mim.
    No meu primeiro dia de trabalho.
    Senti meus pulmões doerem e percebi que estava fazendo força demais para respirar. Eu vou me arrepender, eu vou me arrepender, eu vou m...
    Ah, fique calma. Vamos! Ninguém passa por aquele corredor nesse horário. E nem em horário algum. Só ir rápido e voltar correndo e vai ser como se nem tivesse acontecido.
     Atravessar as faixas e o corredor foi bem fácil. Considerando que não havia câmeras naquela parte e que as pessoas evitavam olhar pra lá. Difícil foi me controlar para não gritar a cada vez que me assustava com meus próprios ruídos. Mas agora, não havia como voltar atrás.
     Eu havia entrado em uma sala qualquer, lentamente, disfarçadamente.
    Eu nunca havia feito aquilo na vida.
    Passei pela porta, me agachei andando como um cachorrinho, para não ser percebida pelos possíveis sensores de movimento. A porta continuou aberta, só poderia fechá-la quando chegasse á mesa, o controle estava nela. Nesse momento percebi o quanto odeio todas essas tecnologias, por me fazerem que passar por essa situação humilhante.
    Estou de quatro em plena manhã.
    Estou fodida, mas não da maneira que deveria.
    - Oi? - sussurrei baixinho pra mesa. Eu havia a visto funcionar, bastava falar - Oi. - repeti, mas a merda não ligou.
     Droga.
     Tentei ligá-la apertando em alguns pontos aleatórios, ainda na mesma posição, ali haviam sensores, é claro que haviam.
     - Funciona. - passei a mão por cima da mesa - Funciona. - dei batidinhas nas laterais - Funciona!
    Meu desespero vai crescendo a cada segundo, senti que aquela droga de situação não poderia acabar bem. Que a droga da mesa precisa funcionar logo porque meu tempo está se esgotando e a droga do buenny não para de vibrar.
    E se eu falasse com ele? Se dissesse que seria impossível fazer aquilo antes do turno terminar? Que não conseguiria uma mesa?
    Demitida.
    A ideia me deu calafrios e causou um sério furacão em meu estômago.
    Voltei a minha atenção a mesa a minha frente. Passei a sussurrar um contínuo "funciona, funciona, funciona" impaciente, batendo com um pouco mais de força na lateral da mesa.
    - Mesa imprestável...
    Meu dia está sendo uma droga e a droga da mesa também não colabora. Ah, mas vai sim!
    Vai, sim.
    Meu corpo inteiro doeu e tremeu quando peguei o buenny e nele estava escrito "ligar para Jhonny Courtryn e dizer que irá continuar com a parceria como descrito".
    É...eu não iria aguentar.
    Meu coração deu um sobressalto ao ver que tenho mais coisa a fazer e nenhuma solução, senão enlouquecer. Olho para aquela coisa teimosa com um olhar irritado e volto a falar:
    - Funciona, funciona, funcion...FUNCIONA MESA DOS INFERNOS!
    Nada aconteceu.
   Até o segundo seguinte.
   Quando o meu coração parou.
    - Não acho que deva estar aqui. - meu coração parou naquele segundo, só pra depois voltar a bater com toda a força. Nem precisei olhar pra saber quem era, julgando pela forma como meu corpo se arrepiou e paralisou. Era ele. E eu estava de quatro, tremendo. Seu tom de voz rouco demonstrou a raiva que estava sentindo naquele momento...e era grande. - Na minha sala, agora.
   Fodeu.