SeuNome Stroome
Eu quero muito fazer isso dar certo. Na verdade, nunca quis tanto uma coisa quanto eu quero isso.
50 Tons de Cinza
Eu estava desabafando com Dallas e Sam.
Compartilhei todos os meus medos, problemas e desconfianças em relação a tudo o que aconteceu. Contei cada pedacinho de meu dia, do mais quente ao mais desconfortável.
Não havia reparado em quando exatamente comecei a tremer.
Minha garganta estava apertada e doía.
Estávamos em meio a uma cafeteria, tomando café sem açúcar enquanto esperávamos dar a hora de ir a empresa. O tempo não passava nunca. O frio era insuportável, mas nunca tanto quanto o da empresa.
Dallas limpou a garganta. Eu estava esperando sua opinião sobre tudo que disse, o que finalmente viria agora.
- Ei, fica bem. Pegue um café.
- Não tenho vontade de tomar café, Dallas.
- Quem disse que é pra você?
Revirei, me levantando e considerando despejá-lo em sua cabeça.
Dallas era uma ótima conselheira.
O sino havia tocado, anunciando a entrada de uma idosa muito bem arrumada no local. Dallas imediatamente se virou para ver, como fazia sempre que alguém entrava no estabelecimento, parecia uma criança feliz.
Voltei a mesa com seu café, mas ela e Sam já pareciam empenhadas demais em outro assunto completamente diferente.
- Isso é terrível! - Dallas pegou o café, se queimando de início - Fica bem, Sam.
Samantha revirou os olhos.
- O que aconteceu? - perguntei e Sam me olhou esperançosa - Algo grave?
- Roubaram meu cartão de crédito! - disse de uma vez, ansiosa por conselhos - Olha só, aqui está tudo o que foi comprado!
Me entregou o papel com a fatura.
- Nossa que idiota, gastou 300 dólares numa jaqueta de couro!
- ...Esse fui eu.
Cerrei os olhos para Sam.
- Por isso mesmo.
Semicerrou os olhos pra mim de volta.
- O inferno é o seu lugar.
- Certo. - peguei um canudo e o mexi na mesa - Mas o que me dizem sobre o meu problema?
- Ah, fique bem SeuNome. - Sam me deu um tapinha carinhoso na mão e eu quis devolvê-lo com muita força - Mas agora vamos falar de coisas sérias, tipo o meu cartão.
Dallas e Sam eram ótimas conselheiras.
Abri a boca para lhe incidir, mas Sam já estava falando sobre o seu cartão e em como planejava solucionar o problema sem a ajuda da justiça.
******************************
Eu não conseguia parar de olhar para as coisas.
Eram lindas, de verdade.
Certo que quando um objeto fazia um movimento totalmente inapropriado para algo que deveria ficar completamente parado era estranho. Eu diria assustador.
Mas eu tentava lidar.
Talvez eu soubesse lidar.
Pam Ross abriu um sorriso, apontando para um quadro. Um quadro grande, antigo e detalhado. Parecia ter vindo de uma daqueles exposições caríssimas e pela pequena assinatura em seu canto, eu soube que sim. Era esplêndido.
E não havia nada de errado com ele.
Por que não havia nada de errado com ele?
Quis perguntar, mas não sabia como perguntar aquilo. Não sabia exatamente o que dizer.
Ao invés disso ergui as sobrancelhas.
Pam entendeu como um "Ora, o que foi?".
Mas estava mais para um "Que porra é essa?". Mas não achei educado contatá-la.
E ela mexeu na tintura. Seus longos dedos se esticaram e tocaram aquela tinta que - estranhamente - ainda estava molhada. Quis gritar pra que parasse. Fala sério! E se alguém visse aquilo?
Não sabia o que era pior: o que aconteceria se alguém chegasse naquele instante ou o fato de uma pessoa como Pam estar fazendo algo daquele nível.
Era algo que eu esperava de Dallas, de Samantha...
Para meu alívio ninguém chegou.
Talvez porque eu havia puxado sua mão com força demais e lhe afastado daquela preciosidade antes que o que sempre acontece na minha vida, em momentos tensos, acontecesse. Talvez.
Mas Pam não ficou chateada. Ah, não. Ela sorriu.
E ficou sorrindo pra mim por algum tempo.
Franzi a cara pra ela.
Certo. Agora ela deve ter entendido que aquilo significava um "Que porra é essa?"
Seu dedo apontou para trás. E eu segui o olhar.
Soltei-o.
O quadro. Não era mais uma pintura antiga e detalhada.
Era...era...
Minhas bochechas estavam vermelhas.
E todas aquelas pessoas nuas fazendo sexo não podiam fazer nada sobre isso.
Olhei para Pam Ross e talvez dessa vez finalmente tenha dito "Que porra é essa?".
Meus olhos voltaram ao quadro.
Explícito, sujo e realístico. Parecia a fotografia de uma cena pornô.
- O qu...c-como? - e como num piscar de olhos, tudo estava normal de novo, como se tudo não passasse de uma simples ilusão de ótica. Nada de bundas, apenas maçãs e pessoas antigas - Mas...como você descob...?
- Um livro no depósito. - me puxou pelo braço, me forçando a voltar a andar - Você precisa ler mais. Leia.
Que droga de depósito será esse? Aonde fica?
E o mais importante...é estranho como alguma das coisas que eu vi, nas últimas horas?
Iria mudar de cor no momento em que eu entrasse? Os livros se fechariam e gritariam "pare de me ler, otária" quando eu os abrisse?
Pam estava falando. Não sabia exatamente o quê.
Mas concordei com a cabeça pra fingir que sabia.
-...e as pessoas daqui não sentem frio por isso.
Ah, claro.
Pera, QUÊ?
- As pessoas não sentem frio porque...? - tossi, disfarçando.
- Elas colocam couro por baixo das roupas. Ninguém suportaria andar com tanta postura com os ossos congelando nessas roupas de escritório.
Ai, Deus.
Couro.
Esse tempo todo.
O segredo era couro!
Concordei mais uma vez, enquanto ela falava. Digitando energeticamente uma mensagem para Brian, o meu instrutor.
"Preciso de couro."
Brian respondeu rapidamente.
"Safada."
"Cala a boca, Brian."
Agora estávamos na sala do café. Pam se servia de algo totalmente puro, sem nenhum tipo de açúcar ou ingrediente intrometido que tirasse o gosto verdadeiro do café que ela tanto admirava. Continuava falando sobre algo que uma pessoa como eu jamais conseguiria acompanhar. Pelo menos não enquanto estivesse refletindo sobre a vida.
Eu ainda não gostava daquele ambiente. Ainda me lembrava da conversa que havia ouvido naquele dia.
E ainda não a compreendia.
Não sabia o que se passava. Não fazia ideia.
Apenas torcia para não ser algo ruim. Ou muito ruim.
- Você precisa falar com aquela sua amiga, Samantha, pra me emprestar The Witcher. Já procurei a Hq em todo canto e...
Tossi baixinho observando Pam falar. Acenei com a cabeça concordando com o que ela dizia, sem ouvir muito.
Era realmente uma sorte que tivéssemos alguns minutos antes de começar a trabalhar sem parar, feito loucas. Ou Pam jamais seria convencida a passar aqueles minutinhos ali, jogando conversa fora e tomando café quente. Ela seguia o trabalho rigorosamente, odiava desobedecer qualquer regra que fosse.
Por uns minutos o meu coração se acelerou.
Bateu mais forte.
Pam ainda falava.
Mas eu soube que era a minha vez de falar.
- Ontem eu fui até a sala dele.
Um silêncio invadiu todo o ambiente.
Sam estava paralisada.
Os lábios entreabertos.
Me observando.
Eu não gostava mais de ser observada.
Grunhi.
- Ahn...bem...interessante. Vejamos bem...é...bem interessante.
- O que há, Pam? - prendi a respiração.
- Nada. - respondeu rapidamente, balançando a cabeça num gesto esperto - Só continue falando. Não aconteceu nada.
Mas ela estava desconfortável.
Algo parecia errado.
- Bem... - inspirei.
O olhar de Pam estava perdido em algum lugar próximo ao chão.
- Diga. - disse de uma vez - Por favor. Me diga o que exatamente aconteceu na sala dele.
Deu um meio sorriso. Eu sabia o que estava fazendo.
Era uma técnica da psicologia para me passar confiança.
Gostaria de avisá-la que não adiantaria de nada usar psicologia comigo.
Observei meus pés.
Eu havia decidido contar tudo, desabafar...mas agora que ela havia perguntando, eu percebi que não saberia como começar. Não estava nada pronta.
Respirei.
- Ele estava...bem...próximo. - dei um meio sorriso com vergonha - Falou algumas coisas e...
- O que ele disse? - sua pergunta passou por cima da minha frase.
Seu ar curioso estava me incomodando.
Ahn, vejamos...
Eu sabia o que ele havia dito.
Mas não sabia ao certo se devia contar.
- Ele tentou algo? Tentou...? - sua frase vaga me fez arregalar os olhos e minha expressão deve ter confirmado sua especulação.
Sua xícara caiu.
Os olhos azuis observavam o café derramado agora.
- Desculpe... - não sabia ao certo pelo quê estava me desculpando.
- Não, não - balançou a cabeça - SeuNome. Nós precisamos conversar.
Confirmei, acenando.
- Não se aproxime dele. - seu olhar estava sério. Sério demais. - Me prometa.
Engoli em seco.
- Huh? - era tudo o que saiu da minha boca.
- Huh? - imitou, querendo sua resposta.
- Eu...ach...
- SeuNome. - pegou nos meus ombros focando seus olhos nos meus, daquele jeito que sempre fazia quando queria ser ouvida - É sério. Você precisa me prometer.
- Pam, e-eu... - mexia minha cabeça sem perceber.
- É sério. - sibilou - Ele tem uma ex que... - balançou a cabeça, jogando o cabelo pra longe de seus olhos - Enfim. Você precisa me prometer.
Ex? Sério?
Quem é essa mulher afinal?
Seus olhos estavam sérios. Firmes e intensos.
Perto.
- Eu prometo.
****************************
Ele havia chegado com antecedência na empresa.
Ele nunca chegava com antecedência na empresa sem aviso prévio.
Eu não estava em minha sala dessa vez. Ao menos uma vez na semana as coisas deveriam ser feitas naquela área da recepção, que continha várias mesas e funcionários de várias áreas. Era como se alguém da diretoria quisesse forçar socialização e boa convivência entre aquelas pessoas nada fáceis de lidar.
Havia algum tipo de ordem para que as pessoas não saíssem de suas mesas sob circunstância alguma, mesmo que estivessem com fome, cansaço ou vontade de ir ao banheiro. Eu havia visto uma moça se cortar seriamente e permanecer na mesa, foi assustador. Era louco.
Alguns estavam tentando cumprir seus afazeres desesperadamente naquela posição. Mas a grande maioria já havia decidido usar a cabeça e terminar as coisas como uma pessoa inteligente faria.
Eu via pessoas correrem, para todos os lados. Via coisas sendo arrumadas na mais exagerada pressa.
Eles sabiam o que lhes esperava. Sabiam que ele era perfeccionista e que não perdoaria o mais inocente erro. Por isso corriam, para todos os lados, arrumando tudo e cumprindo seus deveres rápido demais. Parecia o fim do mundo.
Ou um cenário extremamente parecido.
Notava o desespero ali presente e me sentia em desespero também. Queria ignorar as reações espontâneas de meu corpo, mas elas me invadiam todas de uma vez. Tentei olhar o teto, mas acabei olhando o relógio.
Ai, merda.
Prendi a respiração quando a porta do elevador se abriu.
Lá estava ele.
Ela estava maravilhoso, perfeito.
Eu via alguns funcionários desajeitados se arrumando ás pressas tentando impressioná-lo naquele ínfimo instante. Queriam ser notados. Um único olhar, uma única palavra...se sonhassem alto um sorriso.
Mas nada aconteceu.
Ele simplesmente passou por eles, como se não fossem nada.
O calor do ambiente estava me abafando. Eu não conseguia respirar e a simples possibilidade de seu olhar focar meu rosto já era desesperadora o suficiente.
E nada aconteceu.
Ele também não havia me notado.
O vi chegar ao outro elevador como se não passássemos de meros enfeites de sala.
Nunca ligava para ninguém. Nunca agia como se alguém ali importasse. Nem sequer sabia nossos nomes.
Qual seria a razão?
Ex.
A voz de Pam voltou a minha memória.
Meu coração afundou.
*************************
Bebi um copo d'água.
Eu precisava checar o meu e-mail. Em geral não o fazia, quando estava em casa. Nunca tinha tempo.
E, bem...precisava trabalhar.
Passei as mãos pelos cabelos, como se fosse arrancá-los com aquele ato.
Não suportava mais aquilo.
Talvez aquela minha sensação ruim tivesse mais a ver com o trabalho tedioso do que com qualquer perigo.
Bebi mais um copo d'água.
Apaguei tudo o que eu já havia feito. Folder do demônio.
Mas não era qualquer folder, era o folder que ela me desafiou a fazer e entregar em um período de tempo quase desumano.
E nele deve conter informações com números e detalhes sobre os lucros da empresa em relação á concorrência nos últimos dois anos. Foi o que ele disse.
Estava impossível. Sufocante. Péssimo.
Eu sentia como se nunca fosse conseguir terminar. E aquela ideia me enlouquecia.
- Ei, Chloe. Estou vendo esse café, deve estar ótimo.
Levantei a cabeça.
Era o cara de olhos azuis que adorava gritar.
E a moça de cabelos gritantes que me recebeu na empresa em minha entrevista de emprego.
Chloe, huh?
- Vá para o inferno, Jared.
Ele estava rindo.
- Eu vi como têm tratado algumas pessoas, Chloe. Não gosto disso.
- Você não tem que gostar de nada.
Agora os olhos azuis estavam sérios.
- Talvez sua mã...
- Não xingue minha mãe quando quiser me ofender, seu machista babaca.
- Ei! Eu só ia falar do seu sobrenome!
- Ha-ha-ha, piadinhas com sobrenome, muito engraçado...
- Sério, Chloe Coelho, não tenho problemas com seu sobrenome, até acho bem animal...
- Jared! Eu preciso trabalhar!
- E eu preciso que deixe de ser uma hipócrita arrogante!
- Não vou deixar de ser a hipócrita arrogante. - cruzou os braços, decidida.
- Nem vai trabalhar. - saiu, derrubando seu café sobre os papéis.
Eu estava de boca aberta.
Que merda havia sido aquela?
Chloe o observava como se ele tivesse mexido com a pessoa errada. E eu temi por ele que aquilo fosse verdade.
Mas agora era hora de trabalhar.
E, bem...checar o e-mail.
Voltei a digitar, enquanto abria o e-mail.
Apenas inutilidades, notificações de redes sociais e...
Cliquei duas vezes, mal lendo o título.
Minha mão escorregou de minha testa direto para o meu colo.
Me sentia suar.
Sem ar.
As dívidas eram...preocupantes.
Tudo estava muito pior do que eu imaginava.
**********************
Eu estava nervosa até Brian me mandar uma mensagem no buenny avisando que eu teria que estar em uma reunião em dez minutos.
Agora eu não estava mais nervosa.
Estava em pânico.
Com o estômago do avesso.
Prestes a ter um ataque.
Cruzei os braços, fazendo o possível para aquela dor no fundo do estômago parar de me torturar.
Respirei. Tentando controlar a respiração e os batimentos.
Ele ainda não havia chegado.
Eu esperava que não chegasse.
Mas quem iria calar a boca de todas aquelas pessoas, senão o mesmo?
Que tipo de mistérios aquele homem tinha? Como conseguia ser tão diferente e tão único ao mesmo tempo?
Engoli em seco.
Coloquei meus cabelos para trás.
A porta se abriu e eu prendi a respiração.
Estava odiando cada segundo até aquele momento.
Enxuguei a mão na saia.
E eu olhei para ele.
Estava... diferente, e...
Abaixei o olhar.
Desviei o olhar, o coração acelerando.
Ela estava muito gostoso.
Balancei a cabeça.
Havia entrado numa conversa pessoal com dois diretores. Estava perfeito, impecável.
Era quase como se não fosse real.
E, obviamente, nem sequer havia me visto ali. Sua atenção toda centrada nas duas pessoas a sua frente.
- Ele nem sempre foi assim.
Engoli em seco, engasgando.
- P-perdão? - me virei por um meio segundo, apenas para perceber que os olhos azuis de Pam já havia sacado tudo.
- Esses mistérios...não havia nada disso. Tudo mudou desde que um acontecimento ocorreu e a namorada dele se foi. - engoli em seco. Ouvir aquilo doía. Por quê doía? - Dizem que ele nunca foi uma pessoa legal, que sempre manteve distância das pessoas na empresa. Mas eu discordo. Acho que ele só se tornou frio e distante dessa forma depois que ela se foi.
Senti meu pescoço inteiro se arrepiar.
Minha pálpebra tremendo.
Por que eu tenho a impressão de que ele está envolvido nisso?
Voltei a observar aquela que se destoava de todos aqueles robôs programados para serem perfeitos. Ele era perfeito. Mas não havia nada robótico em suas ações.
Muito pelo contrário, em seu caminhar despreocupado eu podia ver atos inteiramente humanos. Podia ver confiança, atitude, charme, intensidade. Por mais estranho que fosse alguém não ter medo ou nervosismo por absolutamente nada, essa pessoa ainda podia ser considerada humana, não?
Fiquei mais alguns segundos presa na hipnose que seu rosto absurdamente perfeito me causava, pra só depois voltar minha atenção á Pam.
O sumiço de uma mulher.
Não de qualquer mulher, da mulher dele.
Certo que não era bem um sumiço. A moça havia ido por livre e espontânea vontade. Mas o que Justin pode ter feito de tão grave para alguém fugir dessa maneira?
Encarei o chão.
- Não adianta tentar. Ele nunca dá atenção a ninguém aqui. Nunca vai saber seu nome ou decorar seu rosto.
Assenti, voltando a encarar o homem á minha frente.
Ele já havia parado de tratar os assuntos com aquelas duas pessoas. Agora estava de pé, próxima á mesa, lançando um olhar por cima de todos ali. Vi a sombra de um sorriso em seu rosto.
Agora estava errado.
Ou...certo demais.
Mas aquilo não devia estar acontecendo.
- Hoje, iremos decidir os novos lançamentos. O que iremos fabricar e precisa estar pronto e lucrando daqui a dois anos. - cruzou os braços, umedecendo os lábios lentamente - Quero ideias. E não aceito nada menos que espetacular.
Lançou um olhar cheio de poder sobre todas aquelas pessoas. Senti meu corpo estremecer e minha perna formigar.
Estava sempre por cima, sempre melhor.
Nada seria o bastante. Nada seria incrível o suficiente.
Só esperava que ele continuasse não me notando até o fim.
- Bem, não estou em um monólogo. Se alguém tem uma ideia, que diga logo, não tenho o dia todo. - segurou o lábio inferior entre os dentes, olhando com convicção a alguém á sua frente.
Uma moça. Jovem. Insegura.
Estava tremendo. Que pateticamente desviava o olhar a cada dois segundos para a mesa.
Mas ele não desviou o olhar por um só segundo.
- Você. - decidiu - Qual o seu nome?
A moça engoliu em seco.
- Angeli... - tossiu - Angelina Lyncon, senhor.
- Certo, Angeline. - disse o nome devagar, rindo da insegurança da moça - Quero ouvi-la falando. Quais são suas ideias? O que de espetacular poderíamos lançar daqui a dois anos?
- Ah... - deu uma pausa.
E permaneceu nela por uns cinco minutos, enquanto murmurava sons estranhos.
- Ah. Eu! - alguém resolveu interromper aquela fala que mais parecia uma apresentação imitação esquisita de algum animal e teve todos os olhares focados em si - Eu tenho algumas ideias.
A moça era loira. Tinha um decote um pouco chamativo demais para uma entrevista formal como aquela e um sorriso um pouco insinuante demais.
Mas o senhor Bieber havia lhe ignorado. Ainda olhava para a outra moça, como se esperasse que ela parasse com os sons estranhos e liberasse uma ideia incrível. O que jamais aconteceria depois da interrupção da outra.
Quase o vi revirar os olhos antes de olhar para a loira que tinha a mão pateticamente levantada.
- Sim? - disse. Os olhos dessa vez focados nela.
- Acho que deveríamos envolver algo que o público jovem goste. - passou a mão entre o decote. Descruzou e cruzou as pernas - Atingir alguma banda, celebridade, animação, ou...
- Não. - seu tom fora frio. Senti como se todos tivessem parado de respirar ao mesmo tempo.
- P-perdão? - não estava tão segura de si agora.
- Eu disse não. É a ideia mais estúpida que eu já ouvi na vida.
Ele disse sem olhá-la.
Engoli em seco.
Ele está sempre de mal humor, eu já havia notado.
Mas seu motivo é bem diferente do que eu imaginei. Sua ex era o seu motivo.
Sua ex.
Suspirei. Não estava sentindo ciúmes daquilo, é claro que não.
Mas que loucura.
- Mais alguém? - estava folheando um portfólio digital, com algumas figuras e descrições das mesmas. Senti meu coração bater dolorido e busquei respirar o mais baixo possível.
O ar levemente frio fez meus mamilos enrijecerem quase que instantaneamente.
Uma mão.
Levantada no fim da mesa.
Ele não precisou levantar a cabeça.
- Diga. - suspirou.
E eu amaldiçoei o meu corpo por ter se arrepiado com aquilo.
Vamos, diga.
O calor.
A respiração quente no meu ouvido.
A voz rouca.
Soltei o ar devagar.
Um ponto entre minhas coxas tremeu.
Eu quis morrer.
- Apenas saiba que eu estou com a paciência esgotada. E se sua ideia não for incrível o suficiente, pode se levantar e não precisa mais voltar. - sibilou, devagar.
Eu senti o ar abandonar meus pulmões.
Mas que...
- Me perdoe senhorita. Eu prefiro não dizer nada, se não se importa.
A sombra de um sorriso voltou ao rosto dele.
A sombra que me assustava em todos os sentidos.
- Senhor...?
Ele engasgou.
Eu vi o homem tremer de nervoso pelo próprio erro.
- Bieber. Senhor Bieber. Me desculpe, eu...
- Pode se levantar, senhor. - aquele tom lento e neutro estava esmagando o meu estômago.
- Me...levant-tar?
Que droga estava acontecendo?
Umedeceu os lábios devagar, erguendo a mandíbula em sua direção, o olhar intenso.
- Eu falei grego?
Tudo estava em silêncio. Mas as exclamações de surpresa foram inevitáveis.
Ele havia se levantado devagar, confuso. Eu senti pena.
- Não precisa voltar mais, senhor. Apenas acerte as contas com a diretoria. - cerrou os olhos, voltando ao portfólio, fazendo pouco caso.
Eu estava de boca aberta.
Ele havia sido...demitido?
Mas...mas...
Não tente entender, criatura! Apenas respire fundo e haja naturalmente.
Certo. Agir naturalmente.
Eu consigo.
- Bem...eu estava pensando. - abriu os lábios devagar para respirar, subindo o olhar intensamente por um ponto fixo na parede. Eu em sentia suar - Eu deveria demitir todos vocês. São inúteis.
Arregalei os olhos, perdendo o equilíbrio.
Sendo segurada por Pam, antes que caísse ou que notassem.
Estava tremendo.
***************
Drunkers.
O assunto mexia comigo.
Passei as mãos pelos cabelos pela sétima vez.
Enxuguei minhas mãos na barra da saia.
Tentei limitar as vezes em que respirava por minuto.
Considerava ligar para Dallas ou Sam.
Qualquer pessoa.
Eu estava nervosa.
Sem ar.
Eu andava de um lado para o outro, aflita.
Pensativa.
O objetivo inicial era ir contra a politica, o governo e as injustiças da cidade. Mas com um tempo o desejo daquelas pessoas foram ficando a cada dia mais peculiares. E se tudo aquilo for verdade...tudo o que me contaram...
A cidade está destruída, acabada. Ninguém, nunca, nem o mais cruel dos seres humanos pode chegar perto das maldades que aquelas pessoas são capazes.
Eu não podia acreditar, que não queria acreditar.
Mas há um anel, um anel que só membros da organização podia ter. Um que era proibido de ser vendido em lojas, já que os Drunkers eram abominados pela igreja de Joutech Blue. E se encontrados, exterminados.
Inspirei, deixando o ar escapar devagar de meus pulmões.
Mas é aí que está, ninguém nunca foi encontrado. Por isso a desconfiança sobre a existência deles. Talvez eles não existam. Talvez sejam apenas um grupo de adolescentes rebeldes querendo impor medo na cidade. Talvez as lendas sejam apenas lendas...
Uma respiração.
Rápida.
Curta.
Alguém estava ali.
Abri os olhos. Não sabia em que momento havia os fechado.
Olhei ao redor.
Ninguém.
Senti insegurança. Deveria sair dali.
Deveria.
Estava encolhida contra uma porta qualquer, num corredor qualquer. Precisava de ar.
Sentia medo.
Mais um suspiro.
Fechei as mãos.
Não havia ninguém, mas...havia.
Balancei a cabeça.
O coração acelerando.
Me desencostei da porta. Não sabia o que era, mas sabia que deveria ficar longe.
Me virei, me afastando, olhando além da porta, prestes a sair.
Mas de repente eu não conseguia mais sair.
Sabia que deveria, mas não sabia como.
Meus olhos estavam presos a algo dentro da sala ou o que eu achava estar vendo além da porta.
Ele estava se observando num espelho. Sozinho. Aquele lugar estava longe de ser sua sala ou qualquer sala de reuniões.
Eu conseguia ver a solidão refletida nos olhos castanhos.
Mas ao mesmo tempo, eu sentia medo.
O que estava fazendo ali sozinho? Odiava a presença das outras pessoas a esse ponto?
Ou...não tinha outra opção?
Prendi a respiração.
Saia daqui, vamos! Nada disso cabe a você saber ou não.
Pegou um retrato nas mãos.
Engoli em seco.
Me mexi, considerando sair dali, mas...
Quem era? Na foto era...
A...ex.
Uma mulher que eu nunca ouvi falar mas que, de alguma forma, todos sabiam sobre.
Aquele lugar, tão pouco iluminado, tão distante, ninguém ficaria ali ao menos que quisesse ficar...
Escondido.
Inspirei.
Isolado.
Sofrendo sozinho.
Eu senti o meu corpo estremecer ao vê-lo daquela forma. Como eu nunca imaginei ver.
Mas o que fez meu mundo parar de verdade foi quando ele me viu.
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